Pe. José Arlindo de Nadai
Queridos irmãos, nesta solenidade do Sagrado Coração de Jesus, somos convidados a orar, juntamente com nossas Comunidades, pela santificação dos Ministros ordenados. Já na oração do dia, pedimos ao Pai que, acreditando nas maravilhas do amor do coração de seu Filho, recebamos desta fonte uma torrente de graças… Amém! O prefácio da missa da solenidade remete-nos ao “Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade”. Hoje damos graças a Deus Pai Santo, que nos oferece uma fonte salvadora onde podemos beber, com alegria…
Lembremo-nos que é recorrente nos Evangelhos, a simbologia da água, por parte de Jesus, quando se refere ao dom da divina graça, a vida nova que nos oferece. “No último dia da festa, a mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz: ‘Se alguém tem sede, venha a mim e beberá; aquele que crê em mim’, conforme a palavra da Escritura: “De seu seio jorrarão rios de água viva!” (Jo 7,37-38).
Que festa? A das Tendas, quando os peregrinos subiam ao Templo de Jerusalém para pedir que se apressassem as chuvas que haveriam de fecundar a terra para a plantação…
Recordava-se também, na ocasião, da água que brotou da rocha no deserto, para saciar a sede do povo. Ora, Jesus aproveita a oportunidade para se apresentar como o manancial prometido.
Como não associar essa passagem ao diálogo encantador de Jesus com a mulher samaritana, à beira da fonte do poço? “Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’ tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva”… Aquele que bebe desta água, terá sede novamente; mas quem beber da água que lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele fonte de água, jorrando para a vida eterna” (Jo 4,10s).
Que água milagrosa é esta que Jesus está a oferecer, como que a brindar com a mulher samaritana, e por ela com toda a humanidade e com cada um de nós? Trata-se da sua própria revelação como dom de Deus, Ele mesmo… O Messias, o Cristo.
Vamos concluir este primeiro ponto de nossa reflexão com o texto fundante da solenidade do Sagrado Coração de Jesus: Jo 19,34: “Um soldado golpeou-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu, (jorrou) sangue e água”. Muitos são os simbolismos do sangue e água: o dom total da vida. “Tendo amado os seus, amou-os até o fim”; os sacramentos do Batismo e Eucaristia; a Igreja que nasce do lado do novo Adão; o dom escatológico do Espírito, e tantos outros. “Vosso lado por nós foi aberto, revelando as raízes do amor e da ternura com que nos amais” (Hino, O.L.).
Ora, nas águas do Batismo, fomos mergulhados no mistério da Santíssima Trindade. Tornamonos filhos(as) amados do Abba! Pai, Deus de bondade. Irmãos(as) do Filho, Jesus Cristo. Membros do seu corpo Místico. Ungidos e santificados pelo Espírito Santo que nos foi dado pelo amor de Deus e habita em nós. (Rm 5,5 e 8,9). Igualmente, pela unção sacramental da Crisma, recebemos o Espírito Santo, dom de Deus, para espalharmos o bom odor do perfume da vida cristã.
Não bastasse, no Sacramento da Ordem fomos escolhidos e ungidos pelo Espírito Santo para ungir pela alegria do Evangelho e a consolação do amor de Deus, preferencialmente os pobres, os doentes, os oprimidos e prisioneiros. O Evangelho nos aponta este povo que está aí, com rostos muito concretos: os pobres e doentes, as vítimas da violência e os moradores em situação de rua… (Cfr. Homilia Papa Francisco, missa do Crisma). Seguramente, o Papa Francisco tinha em mente o Documento de Aparecida (do qual foi um dos redatores) ao referir-se aos rostos concretos. “Rostos sofredores que doem em nós” (407-427).
Em nossos dias, multiplicam-se esses rostos por conta da pandemia que, além da doença e morte, espalha o medo, a angústia, a insegurança e incertezas, impondo privações, distanciamento e até isolamento. Paradoxal e ironicamente, o uso das máscaras tornou as pessoas mais ou menos parecidas.
Nisso, tornamo-nos iguais… Nesta oportunidade, recordemos o gesto de imposição das mãos, a unção do Santo Crisma e sobretudo a oração consecratória do Rito da Ordenação: “Nós vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí estes vossos servos na dignidade de presbíteros; renovai em seus corações o Espírito de Santidade; obtenham o segundo grau da Ordem sacerdotal que de vós procede e sua vida seja exemplo para todos… sejam fieis dispensadores dos vossos mistérios…” (P.R.).
A mensagem da carta de S. João, segunda leitura da missa do Sagrado Coração de Jesus, ilumina e fundamenta a exortação do Papa Francisco, quanto à caridade pastoral que deve animar os ministros ordenados: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus… Deus é Amor: quem permanece no amor, permanece com Deus e Deus permanece com ele” (1Jo 4,7,16).
A Igreja reza, em sua liturgia, dirigindo-se ao Pai, recordando que Jesus “sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doente e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra, anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas”. Igualmente, suplica: “Dainos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo, e seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a eles. ”(O.E.).
Ressoam ainda no coração das Comunidades cristãs e em nós mesmos, os Evangelhos do Tempo Pascal, que narram as manifestações de Jesus Ressuscitado aos Apóstolos e mulheres discípulas; por exemplo Jo 20,26: “Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa e Tomé estava com eles… disse a Tomé: põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos.
Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas fiel. Tomé respondeu: Meu Senhor e meu Deus!”
Tomé reencontra o Divino Mestre em sua nova condição, a de Crucificado Ressuscitado, cujas chagas (nas mãos e no coração) são a porta de entrada para a comunhão da fé da comunidade nascente, Apóstolos, discípulos e discípulas. Perguntemo-nos, sinceramente, se também nós não precisamos tocar nas chagas dos crucificados de nossos dias, “rostos sofredores que doem em nós” para nele reconhecermos o Senhor?
Será que também nós, como Tomé não precisamos tocar nos chagados da história, nos caídos à beira da estrada, pobres e excluídos à margem da sociedade, para reencontrarmos o Senhor? “Viu, teve compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33) Tocar na carne do pobre é tocar nas chagas do Senhor Crucificado Ressuscitado! O Papa Francisco fala-nos de uma Igreja, a modo de Hospital de Campanha. Talvez aquilo que pareceria uma figura de linguagem, torna-se uma realidade! Que a celebração da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, renove nossa fé, confirme-nos na caridade pastoral e na comunhão presbiteral. Maria, nossa mãe que estava de pé, junto á cruz de seu Filho, nos proteja e agasalhe! Amém!
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