As drogas e a política de redução de danos também fizeram parte do curso online de formação dos colaboradores da Cáritas Arquidiocesana de Campinas, “Formação em Educação Social junto à população em situação de rua”. O palestrante foi o sociólogo Vitor Buratto Alves Bessa, monitor da Casa Antônio Fernando dos Santos e autor do livro “À margem dos trilhos. Drogas e a sociologia do desvio”, fruto de pesquisa para conclusão do curso de graduação. Vitor atuou como redutor de danos durante 4 anos em um Caps-Ad de Campinas.

Livro “À Margem dos Trilhos – Drogas e Sociologia do Desvio” De autoria do sociólogo Vitor Buratto Alves Bessa

Vitor inicia perguntando aos participantes o que é droga para eles. Cada um dá sua opinião, mas não chega à definição segundo a farmacologia. A partir desta ciência, explica o sociólogo, droga é toda substância capaz de alterar o funcionamento do organismo. “Por isso, o que diferencia o remédio do veneno, é a dose. É a relação do sujeito com a substância que determina o uso”, completou.

As drogas causam prazer e por isso mesmo são consumidas em situações de angústia, cansaço, insatisfação, medo, para buscar o relaxamento, alívio de tensões, felicidade, euforia. Vitor citou estudos mostrando que as drogas lícitas, como o álcool, matam mais no Brasil do que as ilícitas, como a cocaína. Entram na lista de drogas lícitas até mesmo o açúcar e o café.

São dois os principais modelos de cuidado com a dependência das drogas ilícitas. O modelo proibicionista trata o uso a partir do viés moral, acredita que é possível eliminá-lo a partir da repressão e implementa a abstinência como objetivo do tratamento. Nesse modelo, a redução de danos praticamente não existe e é muito comum em Comunidades Terapêuticas.

No modelo antiproibicionista a estratégia de cuidado é a redução de danos, oferecendo autonomia ao sujeito. É ele quem administra o processo de redução dos danos causados pela droga.

O modelo mais comum é o proibicionista, cuja prática impõe o asilo, ou seja, o isolamento. Nele o uso de drogas é considerado causa dos problemas e não uma consequência. A cura se busca, portanto, com abstinência e laborterapia, impondo trabalhos que muitas vezes não fazem o menor sentido para o sujeito do tratamento. É caracterizado pelo proselitismo religioso, geralmente de cunho cristão, impondo a necessidade da fé em Deus para se obter a cura, a salvação.

Entre os problemas citados por Vitor, em relação a este modelo, estão a violação de uma série de direitos, a baixa eficácia terapêutica e a alta reincidência. “De cada cem pessoas, duas vão conseguir a abstinência. A redução de danos tem eficácia de 40 a 70 por cento dos casos”.

O palestrante apresentou ainda o que prevê a Portaria 2.197/2004, que institui a adoção da redução de danos e evita a internação de usuários, e a Lei 10.216/2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental no país, visando a reinserção e não a internação.

O que é, então, a redução de danos? É a forma de construir com o outro (sujeito que faz uso de drogas) estratégias para o uso não abusivo, vendo esse uso como sintoma, como consequência de algum transtorno e não apenas como causa dos problemas deste outro, com a intenção de reduzir os danos físicos, psíquicos e sociais causados pela droga.

“Antes de julgar, temos que perguntar quem somos nós para falar do outro, sem estar na situação do outro. Nós, do alto dos nossos privilégios, queremos dizer para o outro o certo e o errado. É preciso reconhecer o outro a partir das diferenças, tentar compreender e não se impor. É uma construção singular, com o sujeito, para a compreensão de causas e mudança de comportamento”, lembrou Vitor.

Nas Comunidades Terapêuticas, de forma geral, há o mesmo modelo para todos. Na redução de danos, o tratamento individualizado, humanizado e com respeito a direitos é confundido, muitas vezes, com apologia ao uso de drogas, o que é um grande equívoco e deturpação do modelo antiproibicionista, segundo o sociólogo.

Entre as práticas de RD estão: oferecer água, comida, ter conhecimento sobre a droga, como ela pode ser substituída, práticas terapêuticas artísticas, culturais e esportivas, leito em Caps-Ad, internação breve em Hospital Geral (se necessário), mas principalmente e embasando tudo isso, acolhimento e afeto.

A RD implica, enfim, uma visão multifatorial do território, da comunidade em que o usuário está inserido. Entre esses fatores estão também o desemprego, a falta de políticas públicas de atendimento, ou seja, tudo que produz danos ao indivíduo, não só a droga.

Um morador da Casa Santa Dulce dos Pobres levantou a questão da violência e do lucro com o tráfico de drogas, “indústria que lucra mais que a Petrobrás”. Vitor lembra que o monopólio por parte dos traficantes encarece a droga, produz violência e cita os anos 1920 nos EUA, quando a Lei Seca gerou criminalidade e o monopólio de bandidos como Al Capone, que controlavam a economia, a polícia e a política.

“Modelos de regulação responsável são muito mais eficazes para quebrar monopólios. O tabaco, por exemplo, no Brasil, depois de várias legislações quanto à propaganda, venda e aumento de impostos sobre o cigarro, teve queda de consumo. É preciso buscar modelos que deram certo e são mais racionais e humanos”, finalizou Vitor.

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