O último dia do curso online de formação dos colaboradores da Cáritas Arquidiocesana de Campinas, “Formação em Educação Social junto à população em situação de rua”, foi de reflexão sobre todo conteúdo compartilhado. Leonardo Duart Bastos, coordenador da Casa Santa Dulce dos Pobres, começou sua fala retomando a importância de cada temática para a prática nos abrigos.
Em cada ação diária, é preciso ver e tratar o outro como um sujeito de direitos (como previsto na Constituição), consciente de que não é melhor, nem pior do que ninguém. Há saberes diferentes entre pessoas diferentes, com histórias diferentes. Em uma sociedade cercada de privilégios e desigualdades, a prática da horizontalidade do saber, baseada em Paulo Freire, é sempre desafiadora. Um dos caminhos para realizá-la, é promover o pensar e o agir juntos, um modificando o outro, um construindo o outro.
Leo lembrou também que as políticas de assistência dependem do bom funcionamento de outras políticas públicas, em várias áreas – saúde, política, cultura e cidadania, por exemplo. Sobre a redução de danos, foi retomada a importância do foco nas escolhas e não nas drogas apenas. Na saúde mental, o que é de fato a loucura e como o chamado “louco” tem sido tratado. Além destes temas, a Justiça Restaurativa e a Comunicação Não Violenta também foram tratados em grupos, analisando o que cada um representa na prática dos abrigos.
Todos admitem as dificuldades, mas também confirmam os resultados. O ato de se colocar no lugar do outro, tratá-lo como protagonista, promovendo sua autonomia, sem julgamento, estava presente em cada relato, como o caminho ideal a ser seguido. O ponto de partida, porém, é desenvolver uma relação de transparência, que permita a confiança e a criação do vínculo necessário para conviver e tomar decisões com os moradores dos abrigos, sempre com a participação deles, por meio da chamada escuta ativa.
Uma das monitoras, Tayane, lembrou que cada momento exige uma abordagem diferente, cada pessoa está de um jeito em momentos diferentes. Os funcionários também são pessoas diferentes, portanto, cada um pode contribuir de uma forma diferente, havendo necessidade de ora recuar, ora avançar, ora modificar práticas, com maleabilidade na construção de algo que é a todo momento refletido e partilhado, expondo limites e alternativas.
Cada ação no abrigo pode ser aplicada na própria vida, nas relações familiares, profissionais, afinal, somos sujeitos de direitos em todos esses espaços. Direitos que têm sido ameaçados por governos que desconhecem o alcance da prática e promovem sua desarticulação. Também foi lembrado que as políticas públicas devem ser mais específicas e flexíveis, para promover a reinserção de pessoas em empregos, moradia e saúde. “Quem está não rua não tem endereço e não consegue emprego porque é pedido o comprovante de endereço; da mesma forma carteira de trabalho e outras coisas que eles pedem”, lembrou uma das monitoras, Angélica.
Para falar sobre a Comunicação Não Violenta um grupo simulou um diálogo provável entre uma pessoa que cobra outra com estupidez, julgando e impondo regras. A outra reage da mesma forma, com violência, mas depois vai se acalmando e diz: – Calma, me ajuda, por favor. Um pequeno e rápido exemplo de como a negociação e a transparência constroem uma prática melhor para todos. “É preciso apenas ser autêntico e ter disposição para se reformular o tempo todo, repensar e mudar, se pensar diante dos desafios”, lembrou Leo.
Ao fim, todos são convidados a continuar a partilha dos resultados do trabalho desenvolvido pela Cáritas Arquidiocesana de Campinas nos abrigos. Trabalho premiado várias vezes, dentro e fora do país em seminários de saúde mental, psicologia e educação (Congresso Latino Americano de Saúde Mental no Peru – 3 menções honrosas/ Encontro de Práticas Inovadoras da Psicologia e congresso da ABRAPSO, Associação Brasileira de Psicologia Social). A cereja do bolo veio com a apresentação de dois curtas metragens gravados por moradores, moradoras e monitores da Casa Santa Dulce dos Pobres. Assista, abaixo, um desses curtas metragens.
Videopoesia: Meu avô
“Esta videopoesia foi produzida durante uma manhã de sol de uma Oficina de Cinema, realizada no dia 17/09/2020, com orientação técnica de Luisa Naves, a partir da leitura coletiva de um texto do poeta Manoel de Barros. Em roda, com as pessoas que residem na Casa Santa Dulce como abrigo emergencial para o Covid-19, cada verso passou pela metamorfose de virar imagem, a partir da criatividade e imaginação dos/das participantes. Mesmo com as limitações da vulnerabilidade e isolamento sociais, cada palavra ganhou emoção e vida com o som, o tom e as pausas das falas dos intérpretes, que enxergaram nesta atividade de criação uma chance de materializar suas vozes no mundo.”
Luisa Naves
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